segunda-feira, 21 de maio de 2012

Um cheirinho de Gramática...

 Imagem daqui.

Este texto foi integralmente retirado daqui
(No entanto, no texto que aqui se apresenta, foram efectuados destaques e adicionadas ligações consideradas interessantes pela autora deste blog)

A gramática do cérebro

Por Fabíola Musarra

Há décadas, a linguagem intriga cientistas no mundo todo: afinal, em qual momento da evolução humana começamos a falar? Como aprendemos? Qual foi o mecanismo biológico que nos possibilitou fazer isso? Atualmente, sabe-se que o ato de falar é ligado à mente, mas recentes descobertas comprovam que a língua nasce da nossa habilidade motora

Shutterstock
Todas as línguas se baseiam num tripé: a fonologia (a pronúncia das palavras), a semântica (consiste em dar sentidos a esses sons e aos seus equivalentes símbolos escritos) e a sintaxe, graças à qual, com as regras gramaticais, se constroem frases complexas e de sentido completo. Objeto de estudo da linguística, essas áreas também vêm sendo pesquisadas pela neurociência. Os resultados obtidos por esse campo da ciência são fascinantes: interligam a capacidade de falar (e de pensar) com a nossa capacidade musical e motora.

Por trás disso tudo está uma descoberta que vem revolucionando a compreensão do cérebro: os neurônios-espelho, células cerebrais que são ativadas quando se executa uma ação (pegar um objeto, por exemplo) ou quando se vê alguém a realizando. “Essa classe especial de células foi descoberta em 1992 na área F5 do cérebro dos macacos. Para total surpresa dos neurocientistas, na época foi comprovado que essa região do cérebro deles abriga os neurônios-espelho, que disparam quando o animal vê ou ouve uma ação e quando a executa por conta própria”, explica o neurofisiologista Luciano Fadiga, docente em Ferrara, na Itália.

Ao lado dos neurocientistas Giacomo Rizzolatti, Leonardo Fogassi e Vittorio Gallese, Fadiga é um dos integrantes da equipe que descobriu esse fenômeno. Mas, embora a F5 corresponda à área de Broca no cérebro humano (responsável pelo processamento da linguagem, produção da fala e compreensão), o neurofisiologista observa que a semelhança dos humanos com os símios termina aí. “Os homens podem lidar com dezenas de milhares de palavras e símbolos, enquanto os macacos usam no máximo 40 sinais para comunicar um perigo, por exemplo.”

Posteriormente, os pesquisadores detectaram que o cérebro humano tem múltiplos sistemas de neurônios-espelho que são capazes não só de executar e compreender as ações dos outros, mas os seus propósitos, o significado social do comportamento deles e suas emoções. Situadas em diversas zonas do cérebro, essas células disparam em resposta a cadeias de ações relacionadas a intenções. Algumas são acionadas quando a pessoa estende a mão para pegar um travesseiro ou observa alguém pegar um. Outras disparam quando a pessoa coloca o travesseiro sobre a cama e assim por diante.

“Quando você me vê executar uma ação, você automaticamente simula a ação no seu cérebro”, explica Marco Iacoboni, neurocientista da Universidade da Califórnia, Los Angeles, nos Estados Unidos. “Circuitos cerebrais o inibem de se mover, mas você entende minhas ações porque tem no seu cérebro um padrão dessa ação baseado em seus próprios movimentos.”

Quanto à linguagem, ela é totalmente baseada em neurônios-espelho, conforme afirma o neurocientista Michael Arbib, da Universidade do Sul da Califórnia (EUA). Segundo ele, esse sistema, encontrado na área frontal do cérebro, contém circuitos superpostos para a língua falada e a linguagem dos sinais. Em um artigo publicado na revista Trends in Neurosciences, Arbib descreve como gestos de mão e movimentos complexos da língua e dos lábios usados na formação de sentenças fazem uso do mesmo mecanismo.

Ponto de partida
O ponto de partida da linguagem são as palavras. São exatamente delas que advêm algumas intrigantes indagações. Por exemplo, por que nós podemos interpretar e compreender os sons usados na língua? O que nos permite sempre reconhecer a palavra “mamãe”, independentemente de quem a pronuncie? Realizadas em diferentes países do mundo, várias pesquisas já comprovaram a “universalidade” dessa palavra.

De seu lado, você pode arriscar um palpite dizendo que isso é possível graças às expressões faciais assumidas por quem pronuncia a palavra “mamãe” – o brilho nos olhos e o tom de voz, por exemplo. Talvez até mesmo atribua o fato aos avançados recursos da ciência e da informática. Juntas, hoje elas já conseguem fazer a leitura ótica dos olhos humanos, comparando e – sobretudo – identificando possíveis fraudes de pessoas que tentam embarcar nos aeroportos com passaportes falsos.

Embora essa última hipótese tenha lógica – afinal, estamos em plena era da informática, na qual quase tudo que se idealiza é possível concretizar –, o computador não conseguiu aprender a reconhecer nem tampouco estabelecer a característica universal existente na palavra “mamãe”. Ainda agora, muitos cientistas vêm tentando descobrir como esse fenômeno da linguagem acontece, mas um dos pioneiros a empregar a tecnologia para tentar desvendar esse mistério foi o psicólogo norte-americano Alvin Liberman.

Nos anos 50, ele projetou um sistema de reconhecimento automático da voz (uma espécie de espectrograma), registrando as frequências sonoras que emitimos quando pronunciamos uma palavra. Como cada pessoa possui um timbre de voz próprio, o equipamento não conseguiu identificar a característica universal que a palavra “mamãe” poderia ter. Liberman, então, intuiu que essa característica não deveria ser encontrada nos sons emitidos, mas nos movimentos produzidos por aqueles sons.

O neurofisiólogo Luciano Fadiga atualmente participa do projeto iCub, um trabalho de vanguarda desenvolvido pelo Instituto de Tecnologia de Gênova (Itália). Ali está sendo implementada a pesquisa da aplicação de modelos cognitivos em neurociências, com a “criação” de robôs humanoides. Com idade correspondente a 4 anos, o iCub é um “robô criança” que pode se adaptar e aprender com seus erros. Futuramente, com o aperfeiçoamento de seu hardware, chamado de bodywear, e software (mindware, como a tecnologia é denominada), os cientistas do instituto italiano esperam criar androides de inteligência comparável à dos homens.
A dedução de Liberman não estava errada. Em 2002, sua tese foi comprovada com a estimulação magnética transcraniana, em pesquisa desenvolvida por um grupo de cientistas, entre eles Fadiga e Rizzolatti. Com essa técnica foi possível fotografar as “reações” do córtex motor. Os pesquisadores perceberam que quando alguém escuta o fonema “r”, independentemente de quem o pronuncie, a área do cérebro que é responsável pela pronúncia dessa letra fica mais ativa.“Com isso, conseguimos fornecer uma prova da existência de um fator invariante: o movimento que todos nós fazemos para emitir sons”, diz Fadiga.

Não é só. O neurofisiólogo afirma também ser possível distinguir, ainda no cérebro, os sons labiais (“ba” ou “pa”) dos dentais (“ta” e “da”), que são obtidos a partir de vários movimentos. Essa habilidade agora também pode ser usada a partir de um computador, que, para compreender um discurso, pode aprender a “funcionar” como um cérebro humano.

Fadiga conduziu uma pesquisa nessa direção em parceria com Giorgio Metta e Giulio Sandini, do Instituto de Tecnologia de Gênova, na Itália. Os três desenvolveram o iCub (www.iit.it/en/rbcs/labs/cognitive-humanoids-lab.html, um “robô criança” capaz de aprender como os humanos. Com 94 cm e pesando 23 quilos, o androide foi projetado para aprender através de experiências e interage com o ambiente por intermédio de videocâmara, sensores e microfone.“Como foi demonstrado por um grupo liderado por Jacques Mehler, da Escola Internacional Superior de Estudos Avançados (Sissa, na sigla em italiano) de Trieste, as crianças começam a distinguir a linguagem humana desde o nascimento. Nos primeiros anos de vida, exercitam-se fazendo balbucios, a emissão de sons não articulados. Quando começam a falar, já exploraram sua capacidade motora – todos os movimentos possíveis com as partes do corpo envolvidas na produção dos sons.”

Shutterstock As áreas cerebrais que controlam a linguagem (em branco na imagem): à esquerda, a área de Broca, e à direita, a de Wernicke. A linguagem, porém, também atinge as áreas do córtex auditivo, visual e motor. Por isso, é bastante provável que esta última seja a responsável pela capacidade de o ser humano falar.

As conexões cerebrais
Em seus experimentos, Fadiga e equipe também analisaram a semântica, o significado que atribuímos às palavras. “Quando escutamos uma palavra”, diz Fadiga, “são ativadas diversas conexões cerebrais.” Quando nos deparamos com palavras como “redondo” ou “vermelho”, por exemplo, em nosso cérebro é ativada a área dos temporais inferiores, vizinha ao córtex visual. Já em palavras como “trufa” e “canela” é ativada a olfativa. Com palavras que descrevem ação, como “lamber” e “pontapé”, e também com expressões abstratas, como “compreender o conceito” (mas não para ações não humanas como “abanar o rabo”), são ativadas as áreas motoras e prémotoras correspondentes às ações nominais: as pernas para caminhar, as mãos para pegar e assim por diante.

Segundo Fadiga, esses resultados se devem, sobretudo, aos estudos de Friedemann Pulvermüller, neurocientista da universidade inglesa de Cambridge. Também são confirmados por pesquisas com pacientes. As pessoas que sofrem de mal de Parkinson, que se cansam ao se locomover, também têm dificuldades para compreender os verbos que descrevem movimento.” Ao contrário, se em um paciente saudável for requisitada a área motora com auxílio da estimulação magnética transcraniana, aumenta também a velocidade com que ela reconhece as palavras que descrevem as ações.

Khalil Mazraawi - Roger Viollet/AFP
Noam Chomsky (à esquerda) construiu a Teoria da Gramática Universal, segundo a qual todos os homens já nascem equipados com um “software” linguístico em seu cérebro, sendo dotados de alguns princípios gramaticais comuns a todos os idiomas. Para conceber sua teoria, ele se baseou em teses do inglês Roger Bacon (à direita), considerado o “pai” do empirismo moderno.

Discurso musical
Promissores também são os estudos com a sintaxe, a capacidade que temos de construir frases complexas e com sentido completo. Com técnicas da neuroimagem (que faz uso de equipamentos e ferramentas, como a ressonância magnética e outros que visualizam a atividade do cérebro) se observa que as áreas cruciais relacionadas na elaboração da linguagem são a de Broca e a de Wernicke. Para dar um exemplo: as pessoas que subitamente sofrem lesões na área de Broca são afetadas por uma forma de afasia que as impede de se expressar de um modo gramaticalmente correto.

Alguns neurocientistas asseguram que a nossa capacidade sintática não se aplica apenas à linguagem, mas também à música e ao movimento. Segundo Fadiga, também na música é possível construir um discurso. “Pode-se partir de uma melodia que pode sofrer uma evolução e, em seu interior, se introduzir uma melodia diferente, assim como acontece na linguagem, na qual posso introduzir frases subordinadas à frase principal.”

Mas qual é a relação entre a sintaxe e os movimentos? “Acho que ela está nas sequências da vida cotidiana”, explica Fadiga. “Como quando estamos cozinhando e, às vezes, paramos para tomar um copo de água.” No ser humano, a capacidade de planejar ações complexas é muito superior à dos nossos antepassados. “Por isso, é errado definir o homem como um mero macaco falante.” Isso não quer dizer que os macacos não tenham tido um papel nesse processo.

A chave de tudo é possivelmente a “gramática das ações”, iniciada com os macacos, com a área cerebral F5 que controla os movimentos. Com o tempo, o homem teria desenvolvido a capacidade de organizar ações mais refinadas, como a manipulação de objetos com uma estrutura hierárquica (como para fazer uma espada, aprendeu primeiro a afiar um espeto). E, usando a mesma estrutura cerebral (a área F5 ou qualquer coisa similar, que gradativamente se transformou na área de Broca), teria desenvolvido a capacidade de se comunicar com palavras.

Software linguístico
Partindo de teses desenvolvidas pelo inglês Roger Bacon (1214-1294), o linguista, professor de linguística no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (EUA), filósofo e ativista político Noam Chomsky construiu a Teoria da Gramática Universal, segundo a qual todos humanos já nascem equipados com um “software” linguístico em seus cérebros, sendo dotados de alguns princípios gramaticais comuns a todos os idiomas.

Segundo Chomsky, todas as crianças aprendem a língua igualmente bem. Por isso, deve haver uma estrutura básica comum a todas as línguas que de alguma forma está “impressa” no cérebro humano. Seu argumento tem lógica, já que não há um único povo no planeta que não tenha desenvolvido uma linguagem. Ao contrário da escrita, que foi criada pelos homens e que precisa ser ensinada, basta colocar uma criança em contato com um idioma para que ela o aprenda praticamente sozinha. Daí Chomsky concluir que os homens já nascem com uma capacidade inata para o aprendizado linguístico.

Defensor do inatismo, o cientista cognitivo Steven Pinker endossa a teoria de Chomsky e vai além. Afirma que o instinto da linguagem é uma capacidade exclusiva dos humanos. Todas as tentativas de colocar outros animais, em especial os grandes primatas, para “falar” (por meio de sinais ou de teclados de computador) fracassaram. Para Pinker, os bichos não teriam desenvolvido competência para, a partir de um número limitado de regras, gerar uma quantidade em princípio infinita de sentenças.

Embora seja objeto de polêmicas, a teoria de Chomsky vem ganhando apoio da neurociência. Caso do neurofisiólogo italiano Luciano Fadiga. Para ele, a gramática universal proposta pelo linguista norte-americano poderia ser apenas a motora, dos movimentos. “A capacidade essencial que é comum a todos os homens e que, graças aos neurônios-espelho, possibilitou o desenvolvimento das primeiras formas de comunicação.”
Shutterstock
Os animais também se comunicam. Os macacos vêm aprendendo a se comunicar com o homem por meio da American Sign Language (AMS), a língua americana dos sinais (1). Com sua dança, as abelhas indicam às suas companheiras a presença de néctar ou de pólen (2). O papagaio-cinza-africano (Psittacus erithacus) imita a fala dos humanos com tanta perfeição que se desconfia que entenda o que diz (3). Já os golfinhos “conversam” por meio dos sons. Recentemente, pesquisadores liderados pelo cientista Vladimir Markov publicaram um trabalho anunciando a existência do “golfinhês”, um sistema aberto de linguagem composto de 51 sons de impulsão vocal e 9 tipos de assobios tonais, que comporiam um possível alfabeto próprio da espécie (4). Também os elefantes são conhecidos pela sua capacidade de comunicação com outros indivíduos da espécie mesmo a vários quilômetros de distância emitindo sons de baixa frequência (5).

Texto: fabiola@planetanaweb.com.br

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