segunda-feira, 29 de outubro de 2012

"Falar é mais do que comunicar."


Imagem daqui.


ZWELANDO PARA UNIR - António Quino(*)

Para a comunidade linguística Bantu, da qual é maioritariamente originária a população Angolana, a língua tem um sentido especial.

De acordo com o padre Raul Altuna, a civilização negro-africana legou ao angolano a tradição oral, onde “a palavra é a pessoa”, por ser o maior instrumento do pensamento, da emotividade e da acção do ser africano. Raul Altuna refere que “a tradição oral não é apenas fonte principal de comunicação cultural”.

Aliás, a língua é uma das bases da integração social do homem Bantu. Ela é de vital utilidade nestas comunidades em que a oralidade chega a substituir os meios de comunicação mais modernos, como a imprensa, rádio e televisão, pois, como aludiu Óscar Ribas, os textos orais são como provérbios, adivinhas, contos, divisas, nomes pessoais, etc., e estão ao serviço da memória colectiva e da transmissão da   experiência do grupo.

Por causa da importância da oralidade, a tradição Bantu leva-nos a afirmar que os contos e as lendas são autênticos museus, monumentos, cartazes de rua e livros. Ou seja, a língua, além de instrumento de socialização e de comunicação, é também a guardiã duma imensa riqueza cultural produzida pelos nossos ancestrais.

Para as populações da comunidade linguística Bantu, saber falar e usar a palavra certa em dados momentos é uma virtude de valor incomparável. Raul Altuna conta que “O curandeiro e o adivinho conhecem as palavras apropriadas para pôr em movimento a interacção vital em favor do seu cliente, atraem ou acalmam os antepassados ou conseguem que seja aceite o sacrifício”. 

A palavra está sempre ali onde a comunidade precisa dela. Através da língua podemos penetrar fielmente no pensamento da civilização negro-africana. Falar é mais do que comunicar. 

Mesmo falando-se, frequentemente, na tradução das lendas, contos, adivinhas, poesia e outras manifestações da tradição para se interpretar determinadas culturas, ou procurarmos traduzir o nosso pensamento numa língua segunda, a verdade é que os perigos são imensos. E um dos grandes perigos, segundo o linguista André Martinet, “reside na tentação de interpretar a língua descrita em função da língua para a qual se traduz”. E se considerarmos que a tradição oral é uma cultura própria e autêntica porque abarca todos os aspectos da vida, iremos perceber melhor por que se torna tão importante preservar as nossas Línguas Africanas de Angola, também designadas Línguas Nacionais.

Texto retirado do Número 2 - 2ª série | Ano 1 - Setembro 2012 do Mensário Angolano "O CHÁ" Director: Jacques Arlindo dos Santos (ver aqui.) 

(*) António Quino é licenciado em Ciências da Educação e Mestre em Ensino de Literaturas em Língua Portuguesa. Jornalista desde 1990, foi co-fundador do “Jornal Farol”, da Brigada Jovens de Literatura do Namibe.
Enquanto académico, tem participado em vários eventos científicos nacionais e internacionais. É membro do colégio de estudos literários do Instituto Superior de Ciência de Educação (ISCED)-Luanda e do secretariado da Kulonga, revista de Ciências da Educação e Estudos Multidisciplinares do ISCED-Luanda, onde publicou textos nos “Cadernos de Estudos Literários e Linguísticos”.
Tem ensaios publicados na Revista “Maka”, da União dos Escritores Angolanos, Jornal de Angola, semanários “Angolense”, “O País” e “Folha 8” e, fora de Angola em colectâneas.
António Quino é director provincial da Comunicação Social do Bengo.




Sem comentários:

Enviar um comentário